terça-feira, 16 de junho de 2015

Gift...

                Apropriou-se dele como se naturalmente fosse de seu direito. Acontece que não pensou a respeito. Apenas intimamente decidiu que assim seria. Quando o avisaram a primeira vez, achou graça, sentiu-se bem. Mas logo a encontrou e então sua opinião mudou. Ignorou à primeira vista, claro. Não poderia assumir aquilo. O quê? Homem feito, maduro e centrado, não isso, não, com ele não! Mas aí os dias se acumularam, e com eles a lógica das relações humanas se perdeu em algum canto não notado. Pronto, foi apropriado.
                Elencar os pontos que o chamavam atenção parecia difícil. Mas gostava especialmente quando ela sorria envergonhada tentando fechar a boca, ao mesmo tempo em que desviava o olhar dele como que sabendo seu poder hipnotizador. Ah, isso o fazia passar horas pensando nela. Que vontade ele tinha de abraçá-la. Voltou a fazer coisas que nuca mais tinha feito. Preocupava-se com as vestes. Ora, logo ele que nunca ligou pra roupa.  Achava graça quando se vestia em frente ao espelho e sentia-se elegante.  Ela vai gostar desta camisa. E acertava sempre. Ela gostava do jeito que ele se vestia. Era um pouco relaxado. Mas não era de todo mal. O cabelo continuava bagunçado. Isso ele não ia mudar. Ela sempre foi um pouco excêntrica ao se vestir. Às vezes ele achava exagerado. Mas havia graça e beleza em tudo que dizia respeito a ela.
                Dez anos os separavam. Separavam, no passado mesmo. O presente é uma incógnita. Este relato é do passado.  Dez mínimos anos. Dez máximos anos. Como isso foi problemático durante todo aquele tempo! O engraçado que se esquecia disso quando ela se aproximava sorrindo magicamente. Seus olhos brilhavam. Parecia uma cena romântico-dramática-melosa-chata. Mas assim acontecia sempre. Quando aquele dia pediu sua ajuda não pensou duas vezes em se prontificar. Claro que ajudo, estarei lá em cima, só me procurar. Lado a lado sentados. Os olhares se cruzando de vez em quando. Ela não entendia sua explicação e fazia gestos de impaciência consigo mesmo. Passava as mãos pelo rosto sorrindo daquele jeito peculiar que ele tanto gostava.

                Não demorou para se tonar insuportável a situação. Ele enlouquecia com a impossibilidade de tornar aquilo verdadeiro.  Ela nunca tomaria uma atitude. Nunca falaria nada. Ora, ele vivia uma contradição sem fim. Até que certo dia não suportou. Vendo-a passar segurou em seu braço.  Puxou-a bem próximo de si. Olhe bem para mim. Você tem que me olhar por alguns minutos nos olhos. Isso não é justo. Ela nada fazia senão sorrir como sempre fez. O beijo foi automático. Ele nem pensou no que estava fazendo. Quando se deu conta já tinha feito o que não podia. O beijo não, tudo menos o beijo. Agora ficaria incontrolável. E ficou. Foi obrigado a repensar sua vida. Repensar significava abandonar tudo. Assim o fez. Melhor pra ele, talvez. Não mais pensou em tudo aquilo. Apagou da memória aquele ano. Quanto a ela. Continua até hoje se apropriando e desfazendo a maturidade de muitos maduros por aí.