Apropriou-se
dele como se naturalmente fosse de seu direito. Acontece que não pensou a
respeito. Apenas intimamente decidiu que assim seria. Quando o avisaram a
primeira vez, achou graça, sentiu-se bem. Mas logo a encontrou e então sua
opinião mudou. Ignorou à primeira vista, claro. Não poderia assumir aquilo. O
quê? Homem feito, maduro e centrado, não isso, não, com ele não! Mas aí os dias
se acumularam, e com eles a lógica das relações humanas se perdeu em algum
canto não notado. Pronto, foi apropriado.
Elencar
os pontos que o chamavam atenção parecia difícil. Mas gostava especialmente
quando ela sorria envergonhada tentando fechar a boca, ao mesmo tempo em que
desviava o olhar dele como que sabendo seu poder hipnotizador. Ah, isso o fazia
passar horas pensando nela. Que vontade ele tinha de abraçá-la. Voltou a fazer
coisas que nuca mais tinha feito. Preocupava-se com as vestes. Ora, logo ele
que nunca ligou pra roupa. Achava graça
quando se vestia em frente ao espelho e sentia-se elegante. Ela vai gostar desta camisa. E acertava
sempre. Ela gostava do jeito que ele se vestia. Era um pouco relaxado. Mas não
era de todo mal. O cabelo continuava bagunçado. Isso ele não ia mudar. Ela
sempre foi um pouco excêntrica ao se vestir. Às vezes ele achava exagerado. Mas
havia graça e beleza em tudo que dizia respeito a ela.
Dez
anos os separavam. Separavam, no passado mesmo. O presente é uma incógnita.
Este relato é do passado. Dez mínimos
anos. Dez máximos anos. Como isso foi problemático durante todo aquele tempo! O
engraçado que se esquecia disso quando ela se aproximava sorrindo magicamente.
Seus olhos brilhavam. Parecia uma cena romântico-dramática-melosa-chata. Mas
assim acontecia sempre. Quando aquele dia pediu sua ajuda não pensou duas vezes
em se prontificar. Claro que ajudo, estarei lá em cima, só me procurar. Lado a
lado sentados. Os olhares se cruzando de vez em quando. Ela não entendia sua
explicação e fazia gestos de impaciência consigo mesmo. Passava as mãos pelo
rosto sorrindo daquele jeito peculiar que ele tanto gostava.
Não
demorou para se tonar insuportável a situação. Ele enlouquecia com a
impossibilidade de tornar aquilo verdadeiro.
Ela nunca tomaria uma atitude. Nunca falaria nada. Ora, ele vivia uma
contradição sem fim. Até que certo dia não suportou. Vendo-a passar segurou em
seu braço. Puxou-a bem próximo de si.
Olhe bem para mim. Você tem que me olhar por alguns minutos nos olhos. Isso não
é justo. Ela nada fazia senão sorrir como sempre fez. O beijo foi automático.
Ele nem pensou no que estava fazendo. Quando se deu conta já tinha feito o que
não podia. O beijo não, tudo menos o beijo. Agora ficaria incontrolável. E
ficou. Foi obrigado a repensar sua vida. Repensar significava abandonar tudo.
Assim o fez. Melhor pra ele, talvez. Não mais pensou em tudo aquilo. Apagou da
memória aquele ano. Quanto a ela. Continua até hoje se apropriando e desfazendo
a maturidade de muitos maduros por aí.